Quando começamos este
dia, às 7h da manhã, ainda não sabíamos o quão longo ele ia ser. Nos nossos
planos, faríamos uma etapa curta de 17km até Pontevedra e lá iriamos pernoitar
[*mas como disse no inicio, “Caminhante,
não há caminho, faz-se caminho ao andar”, e logo aqui as nossas etapas foram
alteradas].
Saímos de Redondela, embrenhamo-nos pelo mato, com alguns cortes pela
estrada mas nada de mais, e foi sempre a subir.
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Pelo bosque |
Desta vez a paisagem era mais agradável
e o facto de termos saído pela fresca ajudava, mas ainda assim subimos e
subimos, e milagres acontecem, lá no alto um jovem a tocar guitarra, vendia
bebidas frescas [*tenho a certeza que ele sabe o que custa fazer aquela
subida], perguntou-nos se sabíamos falar castelhano respondi-lhe que sim, e
como recompensa ensinou-nos um caminho alternativo a 2km de estrada nacional
logo após a Capela de Santa Marta, disse-nos que era cerca de 1km mais longo
mas que seguia junto a um rio, o que nos pareceu uma alternativa bastante
interessante e desta vez já não a deixámos passar, e foi assim que seguimos
pelo caminho mais longo, mas claramente mais belo e acima de tudo mais fresco,
uma vez que se aproximava a hora de almoço e do calor.
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O desvio sugerido quase a chegar a Pontevedra |
Ao almoço estávamos em Pontevedra e era hora de tomar decisões! Era
cedo, tínhamos ainda uma tarde, e as nossas pernas diziam-nos que eramos
capazes de prosseguir caminho, no entanto sabíamos que o próximo albergue
ficava ainda a cerca de 10km mais. Mas seríamos mesmo capazes de lá chegar numa
tarde de calor?!
Mas por outro lado se fizéssemos estes km a mais, era sinal que
estávamos a diminuir a distância na última etapa que seria a mais longa, e
assim poderíamos pernoitar em Teo na última noite e ficar apenas a 10km de
Santiago de Compostela, por isso decidimos fazer uma hora de almoço mais longa
e depois seguir caminho.
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Vieira de Santiago (Concha de Santiago) |
O percurso da tarde foi feito mais uma vez entre mato e floresta, numa
zona bem bonita por sinal, mas depois da paragem e com o calor que se fazia
sentir, começamos a duvidar, mas não dava para voltar para trás, e foram
precisas 2h30 para percorrermos 9km.
Foi já sem forças que chegámos ao Albergue da Portela onde fomos
recebidos pelo Sergio, que não nos deixou tomar um banho sem antes partilharmos
com os restantes peregrinos um copo de sangria que estava a ser servido aquela
hora. Depois do banho tomado, o jantar foi aconteceu para todos no jardim, o
Sergio que me via pela primeira vez chamou-me e pediu-me para ser eu ler a
oração da refeição [*o meu coração encheu-se de alegria]. O jantar foi animado,
uma mesa cheia de vida, os mais jovens que encontrei a percorrer o caminho e
que não tinham mais de 11 anos, corriam a mesa oferecendo e repetindo “Pimientos de Padrón: unos pican y otros no» [*nenhum dos talvez mais de 10 que comi
picaram!].
Peregrinos no Albergue da Portela |
Depois já no fim do jantar, o Sergio disse que iriamos ter uma
tradição galega à mesa, a “Queimada”, que consistiu numa mistura de aguardente,
com grãos de café, açúcar e limão [*uma bomba]. No entanto manda a tradição que
enquanto a Queimada arde, que se recite o “Conjuro da Queimada” [*quem teve a
honra mais uma vez: Euzinha]
Conjuro da Queimada
Buhos,
lechuzas, sapos y brujas.
Demonios
maléficos y diablos, espíritus de las nevadas vegas.
Cuervos,
salamandras y meigas, hechizos de las curanderas.
Podridas
cañas agujereadas, hogar de gusanos y de alimañas.
Fuego de las
almas en pena, mal de ojo, negros hechizos, olor de los muertos, truenos y
rayos.
Ladrido del
perro, anuncio de la muerte; hocico del sátiro y pie del conejo.
Pecadora
lengua de la mala mujer casada con un hombre viejo.
Infierno de
Satán y Belcebú, fuego de los cadáveres en llamas, cuerpos mutilados de los indecentes,
pedos de los infernales culos, mugido de la mar embravecida.
Vientre
inútil de la mujer soltera, maullar de los gatos en celo, pelo malo y sucio de
la cabra mal parida.
Con este
cazo levantaré las llamas de este fuego que se asemeja al del infierno, y
huirán las brujas a caballo de sus escobas, yéndose a bañar a la playa de las
arenas gordas.
¡Oíd, oíd!
los rugidos que dan las que no pueden dejar de quemarse en el aguardiente
quedando así purificadas.
Y cuando
este brebaje baje por nuestras gargantas, quedaremos libres de los males de
nuestra alma y de todo embrujamiento.
Fuerzas del
aire, tierra, mar y fuego, a vosotros hago esta llamada: si es verdad que
tenéis más poder que la humana gente, aquí y ahora, haced que los espíritus de
los amigos que están fuera, participen con nosotros de esta queimada.
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Queimada |
Foi difícil adormecer nessa noite, não sei se foi do grão de café, ou se
do “trator” que tínhamos dentro do quarto a ressonar, mas na verdade, só
pensava e só repetia para o J. que tinha valido a pena cada minuto de sofrimento
no caminho daquele dia, pois esta foi sem dúvida a melhor noite, o melhor
albergue [*se voltar a fazer este caminho, passarei sem dúvida pelo Albergue da Portela em Barro, pois aqui fui Feliz]
Tem sido uma honra ler as tuas palavras.
ResponderEliminarQue grandiosa partilha!
Obrigada